Norma Bengell na primeira cena de nú frontal, cena rodada na Praia do Forte, em Cabo Frio em 1962 |
Saiba mais sobre "Os cafajestes" o filme que teve a primeira cena de nú frontal do cinema Brasileiro e que foi rodada em Cabo Frio na Praia do Forte:
Único blockbuster do Cinema Novo, com um público estimado em cerca de dois milhões de pagantes, contabilizado ao longo de dez dias, Os cafajestes (1962), até hoje inédito em DVD, vai comemorar seu 50 aniversário on-line. Nesta sexta, quando completam-se 50 anos de sua primeira projeção pública, o longa-metragem de Ruy Guerra será disponibilizado gratuitamente na web. Ficará no site dedicado à memória de seu protagonista e produtor, Jece Valadão (1930-2006). Durante 50 dias, a produção celebrizada pelo nu frontal de Norma Bengell (o primeiro do audiovisual brasileiro) poderá ser vista a custo zero no endereço www.jecevaladao.com.
"Esse filme é um marco histórico que a garotada da internet precisa conhecer. Essa projeção on-line é um modo de prestar um tributo a um filme do qual meu pai mais se orgulhava", diz o cineasta e escritor Alberto Magno, filho de Valadão e responsável pelo acervo da Magnus Filmes, a produtora de seu pai. "Passados esses 50 dias, levo Os cafajestes para o NetFlix. E há uma cópia em DVD que estou fazendo circular por universidades, para que o filme seja estudado.
Magno espera que esses estudos possam ir além das polêmicas que Os cafajestes provocou na tela e fora dela, a começar pela decisão da Censura de interromper sua carreira comercial após uma semana e meia em cartaz. Até a Igreja torceu o nariz para o longa, avessa à nudez de Norma e à transgressão moral da trama, centrada nas peripécias sexuais de dois boas-vidas que exploram mulheres, Jandir (Valadão) e Vavá, vivido por Daniel Filho.
"Depois que escrevi o roteiro com Miguel Torres, (o cineasta) Nelson Pereira dos Santos me apresentou ao Jece, com quem havia trabalhado. Depois de muitas conversas, ele começou a procurar investidores. Chamou uns sete ou oito. Tinha gente que eu nem conhecia. Um dia, numa reportagem da revista Veja eu fiquei sabendo que o (bicheiro) Castor de Andrade era um deles", lembra Ruy Guerra, que diz ter permanecido com 20% dos direitos autorais do filme, rodado durante dois meses em Cabo Frio e no Rio, em locações no Recreio.
Brigas durante as filmagens e a dublagem do longa — que teve as vozes regravadas pelos atores em estúdio por conta da precariedade na captação do som na época — inviabilizaram a relação entre Guerra e Valadão. Antes da estreia, o ator, farejando o potencial financeiro de Os cafajestes, comprou os direitos dos outros sócios do filme, que representou o Brasil na disputa pelo Urso de Ouro no Festival de Berlim, onde foi aclamado pela crítica.
"Papai procurou cada um dos acionistas antes do lançamento, dizendo "Esse filme é muito ruim", para convencê-los a vender os direitos", diz Magno, lembrando que o pai morreu admitindo a genialidade de Guerra como cineasta.
"Depois de todas as nossas brigas, Jece me procurou querendo que eu o dirigisse em Boca de Ouro, que acabou sendo feito pelo Nelson Pereira, em 1964", lembra Guerra. "Mas eu nunca duvidei do talento dele. Jece sempre foi um grande ator".
Segundo o cineasta, a questão mais grave de Os cafajestes não foram as rixas de bastidor, e sim o fato de o filme ter sido tirado de circuito pouco depois de se estabelecer como um fenômeno comercial. Os críticos de cinema da época saíram em defesa da produção, que impressionou Alfred Bauer, diretor do Festival de Berlim, pela fotografia de Tony Rabatoni (1927–1995).
"No set de Os cafajestes aconteceu a primeira filmagem circular, feita de dentro de um carro, da história do cinema brasileiro. A sequência da Norma nua, correndo na areia, obedecia a uma marcação de ator inspirada pelo cinema japonês", conta o documentarista Sérgio Sanz, assistente de direção de Ruy, que teve como estagiário no longa o atual ministro da Defesa, Celso Amorim.
Pivô dos ataques ao longa, a atriz Norma Bengell elogia a delicadeza de Guerra à direção:
"Ruy me chamou antes de rodar a sequência em que corro nua na praia e disse, de um jeito delicado: ′Norma, se não ficar bom, eu corto`. Depois, projetou a cena para mim, deixando-me à vontade para decidir. Mas ficou tão bonito que autorizei. E valeu a confiança nele. Os cafajestes me deu tudo: reconhecimento, prêmios e coragem.
‘Com o Ruy, eu aprendi muito’
Já Daniel Filho guarda com humor a lembrança de Guerra sugerindo ao elenco que assistisse ao longa A aventura (1960), de Michelangelo Antonioni, como referência às inquietações existenciais de Jandir e Vavá.
"Os 20 dias que iríamos passar em Cabo Frio viraram dois meses. Lembro que o Buick usado no filme foi se despedaçando aos poucos durante a filmagem", conta Daniel Filho, que estreou como cineasta sete anos depois de "Os cafajestes", ao filmar Pobre príncipe encantado e A segunda cama, ambos em 1969. — Com o Ruy, eu aprendi muito, tanto sobre o rigor dos enquadramentos quanto sobre direção de atores. Não segui o estilo dele, mas, com aquele filme, aprendi mais do que amar o cinema. Aprendi a respeitá-lo.
Da Agência O Globo
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